Acordo. Um dia igual a todos os outros. Ela ainda cá está, consigo sentir o cadavérico braço pendendo sobre mim. Ergo-me em direcção à vida. Mas no entanto, apresso-me para a morte, para a rotina. Assim não terei que a enfrentar. Ela repugna-me de tal forma que as minhas visceras se auto-digeririam, se tal fosse possível. Torna-se num nojo tão intenso do qual nem 3 milhões de banhos me poderiam alguma vez limpar. Tenho de me deixar destas coisas, penso, tenho que parar e estabilizar. Levanto-me.
Odeio rotinas, mas no entanto sou dependente dessas mesmas. Dirijo-me ao café de todos os dias. Peço o bolo de todos os dias, bebo o café de todos os dias. Constantemente perdendo-me em divagações, dores, ódios, amores... Em qualquer coisa minimamente atingivel. Novamente me perdia nestes devaneios mentais que tanto jurava a pés juntos não ter. Um dia, vi uma rapariga esconder-se atrás de uma tesoura ou de uma lamina qualquer, ao que pensei “como é que é possivel chegar-se a este ponto de auto-destruição e mutilação, como é que é possivel alguém no mundo pensar assim”. Um dia, chegou o meu dia, não o esperava ver, nunca. Não era eu. Este corpo não era o meu, não era minha esta vida, esse outro eu, sentia-se mal na multidão, e escondia-se atrás de uma bruma de cabelo, costumes e vicios, não era outro senão ele mesmo. Por esta época, tornava-se confuso exprimir tudo. Levanto-me da mesa, pago e vou-me embora. Observo-me no espelho de um elevador, cada vez me sinto menos eu. Estou novamente nas ruas de ninguém, vejo-me isolado da multidão, cada um na sua egoista ilusão de felicidade. O pensamento de posse de corpo assalta-me novamente no meio destes tais devaneios que me perseguem constantemente dia e noite.
Porque é que eu ainda perco tempo com isto? Uma questão deveras recorrente, da qual fugia. . Isto incomoda-me. Sinto-me impaciente. Hoje está um dia estranho, mas bonito, enfim.. um dia igual a todos os outros. Pego finalmente nas infindas cópias do sermão diurno. Sento-me. À minha frente, vejo passar uma, duas, dez, quinze, vinte pessoas diferentes. Tudo numa questão de segundos, não percebo o que me dizem. Deixo-os falar, aceno com a cabeça e ocasionalmente murmuro um "sim" ou um grunhido que os faça sentir ouvidos. Isto irrita-me. Alguém chama a minha atenção. Era ela, novamente. Fitava-me. Não havia nada por detrás daqueles olhos. Estava perdida na selva urbana. Não sabia para onde ir ou quem ser. Tudo o que de alguma forma a confortava, neste momento, escapava-lhe pelos dedos que nem areia, são ridiculas as minhas mãos... Pequenas, com os dedos cada vez mais finos, tremendo por vezes. Ela não tinha vontade de comer, ou fazer o que quer que fosse. Eu achava as convenções ridiculas, sempre as achei, começava-me a tornar cada vez mais confuso. Tudo o que tinha era respostas vagas para dar, novamente, tornava-se confuso exprimir tudo. Talvez porque fosse tão simples, que a explicação era horrivelmente dificil de exprimir. Não sei, eram apenas suposições minhas. Volto a prestar-lhe alguma atenção. Nem uma unica lágrima lhe escorre pelo rosto inerte, morto. Apenas todas as convenções que sempre evitou e repugnou. No fundo, tudo isso é ela mesma e mais nada que isso; no fundo, não há nada... Nem dor, solidão, amor ou qualquer coisa dessas que sempre considerei inexplicaveis por serem fruto de uma experiencia individual. De repente, esqueci tudo o que tinha aprendido. Observando aquele cadaver vivo, tive noção de que estava só, e não, não era só mais um dia mau.
Novamente dou por mim a calcorrear as ruas de todos os dias. Como já é regra, sigo os caminhos delineados no passeio, salto entre circulos ou pavoneio-me nunca calcando as pedras escuras. Ela não me sai da cabeça. Entro em casa, olho-me ao espelho. É ela que lá está.
Saturday, April 14, 2007
diario de um psiquiatra demente
Nota: Texto escrito em Junho de 2006, no ambito de uma minha sarda qualquer. :)
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2 comments:
nice. very nice. * really awesome. loved it, madrinha! * xD
interessante, muito interessante (e mt bem escrito tbm).
gosto muito.
;)
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